sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Encantador filho do caos


O pai nem o viu nascer...
A mãe não o viu respirar...
A vida não o quis no ar...
E o amor não quis ser seu par...

Era noite de sexta-feira.
Sem-eira-nem-beira,
Foi assim que veio ao mundo.
Coitado, nasceu quase defunto...
Grudado a ele, o cheiro de iodo e sal.
Não que estivesse morto, com corpo sob a cal...
Mas, pisando as pedras pontiagudas
Que ainda estavam por vir das valas fundas, imundas,
Em que iria mergulhar pra salvar sua vida,
Ou melhor, pra salvar a falta de amor, teto, chão, comida...
Que se insiste em chamar de sopro divino
Ou ainda, não menos sagrado destino.

Órfão de pai, mãe, alimento, família,
O filho do caos cresceu numa ilha
De segredos e anti-sonhos sem trajeto
Restrito em si mesmo desde ainda feto
Aprendeu a crescer com os olhos cerrados
Sobreviveu com os desejos presos, amarrados
Ao medo e à coragem dos guerreiros mundanos
Vestiu sua vida de migalhas, de restos de panos.

Ontem, o dia nasceu claro como o escuro de lá
O sonho morreu antes de brotar a criança
Mas, hoje ele vive do amor que entrega, que dá
Porque a força do encanto renova esperança
Aboliu do seu verbo o rancor.
Engordou no seu peito o amor


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010


Menina dos olhos

Pula que nem pipoca no óleo quente
Sorri feito alegria... mas que leveza
O olhar, sei lá, parece imã daqueles de geladeira
Quanto mais se gruda, mais se quer grudar

É um dengo só
O coração parece o universo
Infinito, puro, misterioso

É um gênio só
Na irritação parece o caminho inverso
Um grito, duro, vigoroso

Estimula, toca, faz olhar pra frente
Linda feito magia... mas que beleza
Um gingar, sei lá, parece roda daquelas de capoeira
Quanto mais se gira, mais se quer girar

É um brilho só
Na palma da mão outro verso
Despojado, inseguro, bondoso

É um carinho só
No beijo, um jeito travesso
Bonito,
imaturo, dengoso
Vazio

Ganhei muito mais do que dei...
Menti, fugi, corri, busquei e não encontrei...
Fui mau e carinhoso, não hostil...
Dormi são, acordei febril...

Fui abraço de amor, num dia.
Fui beijo da sorte, noutro.
Agora o mistério me festeja
A morte minha nuca fareja.

Meus poros suam enxofre...
Meus brilhos são fio de breu...
Meus olhos, bolas de jogo...
Não sinto o chão, tampouco o fogo...

As roupas não me vestem mais
Encobrem um corpo vazio
Curvado por seu próprio fim
Vela seca, sem cor, sem pavio...

Sou prece sem fé na fé
E se me pergunto o motivo
Respondo em oração:
Joguei fora o coração!
Infinito-agora

Teu corpo vai abrindo caminho, já na cama
Pra um dia que ainda é feto
Ah, quanta vontade de nascer
Teu rosto sorri, tua boca boceja
Meu cheiro teu cheiro fareja
Teus olhos meio fechados, meio abertos
Refletem a alegria do meu olhar
De pé, meu corpo acorda pra viver:
O teu toque além da pele
O teu abraço, além dos braços
Além dos lábios, os teus beijos
Contigo, somos nós não laços

O infinito-agora apaga os ontens
Aquece, acende, ilumina os hojes
Clareia os amanhãs da vida concreta
Neste instante, a morte é incerta
Brisa de por do sol

Ela é filha da noite com o vento
Ela é brisa de por do sol
Pele branca, cabelos vermelhos
Olhos agudos feito ponta de anzol

Ela é filha da noite com o vento
Um cansaço que atormenta
É ressaca do mar no inverno
É calor de fogueira do inferno

Ela é filha da noite
Ela filha do vento
Mora onde o medo protege e vigia
Onde a vida é magia

Ela é filha da noite com o vento
É carinho do corpo, da boca
É carência de mãe e de filha
Vive, ás vezes, num sonho, numa ilha...

Ela é filha da noite com o vento
É perfume de mato, de flor
Vive entre o receio de amar
E o ansioso desejo de amor

Ela é filha da noite
Ela filha do vento
Mora onde o amor assusta e sacia

Onde a vida é só alegria