sábado, 24 de dezembro de 2011

Deus do consumo (Feliz Natal)


Ontem, fui criança e me perdi, não queria estar ali

Vi em terra cristã, no aniversário do filho de Deus (Jesus)

Multidões se acotovelando para comemorar

Em busca de um outro Deus, sem alma, sem par

O Senhor do consumo, Deus do dinheiro, do jogo de azar


No mosaico da existência, já faz tempo que pra muitos

A vida não passa de uma tela multicor

Que prega moda, estética, comunicação sem dialética

Aliena e padroniza a imagem perfeita, anti-humana

Sem o sonho de alegria e comunhão, vende consumo e dor, desilusão

Ensina a comprar pra ser feliz, a comprar pra ser feliz...


O que move o ser humano, vida, morte, paixão

Ou desengano?

Grana, pó, craque, álcool, fumo, fé, sexo, amor

Ou consumo?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Encantador filho do caos


O pai nem o viu nascer...
A mãe não o viu respirar...
A vida não o quis no ar...
E o amor não quis ser seu par...

Era noite de sexta-feira.
Sem-eira-nem-beira,
Foi assim que veio ao mundo.
Coitado, nasceu quase defunto...
Grudado a ele, o cheiro de iodo e sal.
Não que estivesse morto, com corpo sob a cal...
Mas, pisando as pedras pontiagudas
Que ainda estavam por vir das valas fundas, imundas,
Em que iria mergulhar pra salvar sua vida,
Ou melhor, pra salvar a falta de amor, teto, chão, comida...
Que se insiste em chamar de sopro divino
Ou ainda, não menos sagrado destino.

Órfão de pai, mãe, alimento, família,
O filho do caos cresceu numa ilha
De segredos e anti-sonhos sem trajeto
Restrito em si mesmo desde ainda feto
Aprendeu a crescer com os olhos cerrados
Sobreviveu com os desejos presos, amarrados
Ao medo e à coragem dos guerreiros mundanos
Vestiu sua vida de migalhas, de restos de panos.

Ontem, o dia nasceu claro como o escuro de lá
O sonho morreu antes de brotar a criança
Mas, hoje ele vive do amor que entrega, que dá
Porque a força do encanto renova esperança
Aboliu do seu verbo o rancor.
Engordou no seu peito o amor


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010


Menina dos olhos

Pula que nem pipoca no óleo quente
Sorri feito alegria... mas que leveza
O olhar, sei lá, parece imã daqueles de geladeira
Quanto mais se gruda, mais se quer grudar

É um dengo só
O coração parece o universo
Infinito, puro, misterioso

É um gênio só
Na irritação parece o caminho inverso
Um grito, duro, vigoroso

Estimula, toca, faz olhar pra frente
Linda feito magia... mas que beleza
Um gingar, sei lá, parece roda daquelas de capoeira
Quanto mais se gira, mais se quer girar

É um brilho só
Na palma da mão outro verso
Despojado, inseguro, bondoso

É um carinho só
No beijo, um jeito travesso
Bonito,
imaturo, dengoso
Vazio

Ganhei muito mais do que dei...
Menti, fugi, corri, busquei e não encontrei...
Fui mau e carinhoso, não hostil...
Dormi são, acordei febril...

Fui abraço de amor, num dia.
Fui beijo da sorte, noutro.
Agora o mistério me festeja
A morte minha nuca fareja.

Meus poros suam enxofre...
Meus brilhos são fio de breu...
Meus olhos, bolas de jogo...
Não sinto o chão, tampouco o fogo...

As roupas não me vestem mais
Encobrem um corpo vazio
Curvado por seu próprio fim
Vela seca, sem cor, sem pavio...

Sou prece sem fé na fé
E se me pergunto o motivo
Respondo em oração:
Joguei fora o coração!
Infinito-agora

Teu corpo vai abrindo caminho, já na cama
Pra um dia que ainda é feto
Ah, quanta vontade de nascer
Teu rosto sorri, tua boca boceja
Meu cheiro teu cheiro fareja
Teus olhos meio fechados, meio abertos
Refletem a alegria do meu olhar
De pé, meu corpo acorda pra viver:
O teu toque além da pele
O teu abraço, além dos braços
Além dos lábios, os teus beijos
Contigo, somos nós não laços

O infinito-agora apaga os ontens
Aquece, acende, ilumina os hojes
Clareia os amanhãs da vida concreta
Neste instante, a morte é incerta
Brisa de por do sol

Ela é filha da noite com o vento
Ela é brisa de por do sol
Pele branca, cabelos vermelhos
Olhos agudos feito ponta de anzol

Ela é filha da noite com o vento
Um cansaço que atormenta
É ressaca do mar no inverno
É calor de fogueira do inferno

Ela é filha da noite
Ela filha do vento
Mora onde o medo protege e vigia
Onde a vida é magia

Ela é filha da noite com o vento
É carinho do corpo, da boca
É carência de mãe e de filha
Vive, ás vezes, num sonho, numa ilha...

Ela é filha da noite com o vento
É perfume de mato, de flor
Vive entre o receio de amar
E o ansioso desejo de amor

Ela é filha da noite
Ela filha do vento
Mora onde o amor assusta e sacia

Onde a vida é só alegria

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Talvez

È, vai ser bom!
Medo?
De que sonho?
Do sim ou do não?
Do talvez!

Pior é cavalgada de aranha
Molecagem de amigo traíra
Verdade contada, não vivida
Pescoço que vira comida
Calafrio de dor e pesar com gostinho de beijo
Um som, um arpejo na corda do velho instrumento
Que amarra o grito do encantamento

Caminho, trilha, estrada, beco, viela... sei lá...
É ir, só ir. Mas voltar. Voltar pra morrer
Afinal todos morrem. Até e os sonhos
Menos Deus!
Ah, morre sim, mas ressuscita
Renasce do humano medo de morrer para sempre
Ou da mentira contada, não vivida
Se é sim ou não? Não importa... o talvez alivia
Mantém esperança verde como a grama
Que os burros comem amarrados à guia

O que se quer?
O que pode ser mas não é
O que é mas não foi
O que foi, mas passou
O que o vento, temporal, furacão, covardia, tsunami, levou...
Onde está o que se quer?
No amanhã com carinho pra dar
No amor pra amar, no orgasmo pra ter
No sonho pra sonhar, nos velhos amigos pra poder conviver...

Ainda resta o medo de cair no talvez
De viver no talvez, de morrer no talvez
Mas não tem talvez na vida ou na morte: é sim ou não!
Ruim quando tudo é talvez!

Pior quando o não é um sim, vice-versa!


sexta-feira, 20 de março de 2009

Aaaaahhhh!

Vai. Vai sim. Mas vai aonde?
Vai de busão lotado ou de kombi que fala?
Vai pra boca de fumo ou pro baile funk?
Vai ser você mesmo ou macaco de yankee?

Vai aonde zé arruela?
Você nem sabia que arruela se escreve assim, não é, zé mané?
Então me fala, aonde você vai?

Vai à escola pra não estudar?
Vai ao bar só pra se embriagar?
Vai só na cachaça pro dinheiro dar?
Vai aonde, só ver o tempo passar?

Vai namorar só pra foder, sem amar?
Vai ser vagabundo ou morrer de trabalhar?
Vai dar um teco no pó,
Vai dar um dois na erva,
Ou vai a pedra de craque fumar?

Vai aonde, zé arruela?
Vai morrer de sede em frente ao mar!
Nem pra respirar você vai ter ar!
Nem pra morrer você vai ter lugar!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Surto de mim

Outro dia estava eu ali solto e preso
Solto de mim, mas preso em nós
De mim muito me queria e sonhava e nada fazia
De nós não nos queria e nada sonhava e muito fazia

Não mais por mim, não mesmo
Pouquíssimo por nós, mesmo, mesmo
Muito por ti, ou, somente por ti
E em outro dia ouvi:
Tu te tornas responsável pelo que cativas...
E é isso não mais, não mesmo, não mesmo

Outro dia andava eu e saí de um surto ileso
Surto de mim, mas ileso de nós
De mim muito me queria e sonhava e muito fazia
De nós não nos queria e nada sonhava e nada fazia

domingo, 2 de novembro de 2008

Meu Alívio

A poesia é a mãe da alegria
Da tristeza, do sentir, do saber
Ela é quem diz sem dizer
E nela só, se sacia

Dos versos ela tira mentira e verdade
Tira tudo, prazer e maldade
Ela engana quem quer se enganar
Ensina quem quer acreditar

Ela mostra com poucas palavras
O nascer de dor e prazer
Ilumina o escuro da vida
Não cega, só deixa ver

Senhora do desejo da carne e da alma
Do belo e do tosco, da traição fiel
Excita, ao mesmo tempo, que acalma
Faz o brilho ser fosco, tem amplidão de céu

Nela me busco, me encontro, me permito
Condeno e absolvo, sou Juiz e fora-da-lei
Sou criança e sou pai, sou amor e sou ódio,
Sou mulher e sou homem, sou crime sem remorso

Meu alívio...

Cantar uma canção

Cantar uma canção
Andar com o pé descalço
Te contar meus planos
Minhas vitórias meus danos vis
Foi sempre o que quis

Minhas iras insanas
Minhas manias mundanas
Meus desejos tortos
Meus anjos mortos

Minha ex-trilha branca
Minha nova tranca
Meus defeitos vivos
Meus tons afetivos

Minha cara vejo
Minha boca o beijo
Meu querer amor
Meu coração dor

Minha raiva rara
Minha velha tara
Meu carinho dou
Teu desejo sou

Um Ela, Eu

Um beco, boca, um beijo, bem
Um dito, dado, uma dúvida, dardo
Um olhar, ouvir, um orar, omitir
Um dizer, dar, um doer, dominar

Um poder, palpite, um prazer, paladar
Um carimbo, caos, um carinho, cais
Um vinho, vão, um vigor, vida
Um feixe, flor, um ficar, furor

Um jamais, jaz, um jeito,já
Um grito, gosto, um gemido, gozo
Um temer, tiro, um tesão, tez
Um ir, ilusão, uma ilha, imã

Um lugar, lar, uma luz, limiar
Um sorriso, um som, um servir, sim
Um agito, ardor, um antídoto, amor
Um novilho, um nó, um ninho, nós

Falta de inspiração

Um copo sobre a escrivaninha...
Mais um gole.
A água, já morna, escorrega, involuntariamente, pela garganta.
O pensamento não triunfa, se esvai.
O olhar cansado, perdido e sonolento
Vê, não mais enxerga.
A noite terminou, já é madrugada,
E nada se fez.
O sono aperta, a cama chama,
Mas resisto, teimo e não a atendo.
O pescoço dói, as costas reclamam,
Mas resisto, teimo e continuo.
Tento, mais uma vez, ordenar o pensamento,
Sem êxito, persisto.
A dúvida acorda:
Eu luto ou descanso?
Luto, mas perco.
A madrugada terminou, o sol já subiu,
E nada se escreveu.

Desabafo a um amigo

Na tua cabeça tudo é tão estranho:
Pensamentos grosseiros, tacanhos.
Não és mais nem menos que ninguém,
És só tudo isso: nada!!!

Precisas olhar para o próprio umbigo
E perceber que o mundo
Não gira em torno de um buraco no meio da tua barriga.
Que teu egoísmo ilumina tua ira,
Que tua postura só atrai discórdia e intriga.
Desse jeito...
Não aprenderás com quem quer te ensinar.
Não crescerás como homem e artista.
Não alcançarás o que mais tu desejas:
A glória, a fama, a alegria de viver do que amas.

Tua imaturidade é vil, é tamanha.
Não tens humildade de quem é vencedor.
Tens o chorar de um bebê sem dor que faz manha.
E a autoconfiança de quem no futuro,
Só terá como pares a solidão e a dor.

E Daí?

Nem sempre separo o que sinto
Do que quero sentir.
Sou flecha rumo ao alvo,
Mas eu gosto do arco.
E os limites, sem medo eu os furo,
Desfaço.

A vida me bate. Suporto a dor.
Me agito, Pra que o suor não se congele.
É uma farpa que entra covarde
Entre a unha e a pele.

E daí?

A dor passa e a ferida se cura.
Só vai restar talvez cicatriz.
Não é um inverno de agruras
Que vai assim me tirar o que fiz.

Quase nunca reprimo o que sinto
Confio e sem mágoa prossigo.
Acordo sedento de vida.
Iço as velas do barco.
Meus desejos, eu juro, os busco.
Os caço.

Achar o que perder

Era uma vida que passava
Mais uma noite sem dormir
Era chorar de madrugada
Minha cabeça ia fundir
É que o tempo nunca pára
E a saudade sempre aqui
Quem sabe um dia eu corrijo
O erro que não cometi?

Reconstitui meus crimes
Refiz o meu discurso
Pisei no chão e não senti
A força do meu peso em mim
Icei meus sonhos pela vida
Chamei de novo o meu querer
Fiz um caminho só de ida
Rumo à resposta, ao porquê

Não sei se fiz bem ou mal
Não sei se me curei dos medos
Mas busco entender esse enredo
Procuro achar o que perder...
Vivo solto sem amarras
E hoje, já posso te entender

Óscar da Vida

O sangue escorre narina abaixo
A dor desliza goela adentro
A lágrima seca explode no coração.

Dominados por modismos, farsas sem talento,
A pureza da alma já se foi pelo vento.
Só se quer dinheiro e não o som da canção.

Esses fatos descrevem o roteiro da vida.
Sorria!
Não é preciso fazer um bom filme e sim ter bilheteria!

São o que são:
Sonho, vida, desejo.
Mentira e maldade num beijo,
Cumprimentos por educação.
São quadrilha não nação!

Não me leve a mal

O que hoje é seu, amanhã não será
O que ontem foi seu, já não sabe onde está
Se ganhou ou perdeu, não tem erro não
Só o amor nutre a alma e o coração

Pode vir um beco sem saída, mas tudo tem jeito
Sei que a morte é dura, dá uma puta dor no peito
Mas, encare sem medo o labirinto então
De caminho em caminho, vá buscar seu chão

Por que?

A vida é uma bola que gira
Que pula e se agita na confusão
Vai passando de pé em pé
Dependendo do jogo vai de mão em mão

A vitória, ora aqui, ora lá
Sacrifício e dor para vencer no final
Mas, o jogo acaba e onde a bola esta?
Tá largada num canto não me leve a mal

Não me leve a mal
Se puder não perder, trate de ganhar
Só não vá esquecer de também amar

Sair do caos

Não quero ser manipulado
Não quero ter desgosto em mim
Não quero ver a luz morrer
Não quero ter medo do sim

Não quero mais.

Não quero ser marionete
Não quero ter vida vazia
Não quero ver a guerra não
Não quero ser hipocrisia

Não quero mais.

Não quero ser você sim eu
Não quero só dormir na rede
Não quero desmentir os erros
Não quero só fazer o meu

Eu quero mais.

Quero viver com a noção
De que a vida vale a pena
Não puxar saco de patrão
Toda essa merda que envenena

Eu quero ter a mente aberta
Quero dizer e ser ouvido
Quero aprender estar alerta
Ter a certeza de estar vivo

Quero tomar as decisões
A minha vida comandar
Quero ouvir bons corações
Pra desse caos eu me livrar

Imperfeição

Cabelo, tez, suor, calor,
Barriga, dorso, prazer, fulgor,
Pescoço, boca, mão, calafrio,
Chão, cama, sofá. Emoção: Cio.

Dilúvio, seca, fartura, fome,
Vida, morte, talento, nome,
Coragem, medo, excesso, carência,
Dureza, grana. Condição: Existência.

Destino, acaso, amor, traição,
Céu, inferno, ego, compaixão,
Guerra, paz, acerto, engano,
Perdão, tiro. Imperfeição: Ser humano.

De Viés

O breu da noite ascende o fogo
Olho as estrelas e me sinto pequeno
Mas quando te toco e te vejo
Tenho o antídoto para qualquer veneno
Te amo na areia com o céu e o mar de cenário
Um sonho lúdico que quase todo mundo tem
Não sei se estou vivo ou não, ou sei lá ao contrário
Espero que sinta o que sinto, também
Te vejo nua ao brilho da lua crescente
Me banho no mar, meu corpo cansado e feliz
Não sei explicar, estou mais que contente
Encontro em ti bem mais que já quis...

Dia claro... a luz do sol forte de verão
Ofusca meus olhos que acabaram de se abrir
Te procuro na areia, na rua, no céu e no mar
Onde estás, quem tu és?
Esta noite acabou de viés
Já não sei onde estou
Mas meu coração em ti ancorou

Colheita

Mais uma esquina surgiu adiante
Dobrá-la fui, fui buscar o devir
Gargalhei do meu medo de morrer noutra rua

Servi só a mim, radiante
Curtir-me fui, fui sonhar o porvir
Desvendei meu enredo, fui viver luz de lua

Mais uma sina rompi claudicante
Destroçá-la fui, fui encontrar o sorrir
Semear arvoredo, mas colhi morte, carne crua

És

És um tempo, um instante
Um eterno, bastante
És vida, um corte
Uma guinada: sorte...

És um desejo, um tiro
Um beijo, prefiro
És amor, saudade
Uma dor: maldade...

És um caminho, um fato
Um carinho, ato
És beleza, fantasia
Uma certeza: alegria...

És uma estrela, um brilho
Um planeta, filho
És um pai, uma filha
És mãe: família...

És um sair, um entrar
Um elixir, gozar
És sorrir, chorar
Emoção: cantar...

És uma estrada, uma história
Uma virada, vitória
És saber, vontade
Um prazer: verdade...

Meu Credo

Minha fé ora em teu sagrado
Tua força te empurra pra mim
Meus poros suam um fogo gelado
Teu colo me dá mais que o sim

Teus lábios sugam meu desejo
Minha tara invade tua ternura
Teu corpo se abre com meu beijo
Meu gozo é viril e com candura

Teu cheiro me afaga os sentidos
Minha boca engole teus gozos
Teu ventre acolhe um pervertido
Tu: meu credo

Amoral

Quebra pedra, pisa na lama
Se engana, se trai, se difama
Não ama, se deita por grana
Diz querer arte e quer fama

A arte não brota, se inflama:
Da luz e da luta, do beijo e da fuga
Da alma e do corpo, da fala e do dorso
Da paz e do ódio, do amor e do ópio
De tudo... não de todos

A arte se nasce e reclama
A arte transborda com gana
Aí...
Se deita na cama da fama
Sem lama, sem trama, sem drama
Feliz e insana
Amoral, não profana

Transpotting heroína

Para um amigo...

Já faz tempo que o mundo parou
Tenho sono e o meu corpo não dorme
Sinto frio no calor do fogo
Estou com ódio do jeito que sou

Eu caminho por meus anti-cristos
Meu sorriso amarelo está gasto
Eu como, mas já não sinto o gosto
Me inundo de vícios e riscos

Confundo prazer e maldade
Mergulho em mentiras sinceras
Realidades absurdas invadem minhas veias,
Meu corpo, minha mente, minh’alma

Através de uma agulha infecta
Suja, porém linda poética
Meu prazer é melhor que mil gozos
Estou feliz ao menos... ao menos por ora

Cadafalso

Dor escarnada num leve traço
Flor enforcada no próprio laço
Meu rosto rente ao chão
Num pulo, num tombo, num não

Vejo a noite debaixo de mim
Me viro e o sangue me vem à boca
O tropeço me deixa assim
Sem sentido, sem par, qual orelha moca

O gosto do medo é amargo e forte
Mas se viver é esperar a morte
Vou buscar minha sorte
Do teu amor vou viver no encalço
Vou morar no teu cadafalso

Abro-me

Vou, pra não voltar ao que fui
Revejo tudo em mim, por ti, por nós
Ando no limbo, no umbral da dor
Moro na rua e como restos

Fecho-me em mim, por fora tudo
Choro por mim, por ti, por nós
Corro atrasado ao que quero ser
Mastigo e cuspo o que fui, não sou

Abro-me em fim, por dentro tudo
Amo por mim, por ti, por nós
Chego a tempo ao que então nasci
Mastigo e engulo o que sou, não fui

Como será?

Como será?
Se o hoje não virar ontem
Se o tempo não se for e a noite não acordar
Se a morte não vier e o dia não nascer
Se o medo não se for, só adormecer

Como será?
Se o olho não enxergar
Se a farsa não partir e o fato não se achar
Se a moça não for de luta e à luz ela não der
Se a vida não se encontrar e só a morte vier

Como será?
Se a terra não for mulher
Se o fardo for de matar e com ele não mais se puder
Se o sonho for pesadelo e o início já for o fim
Se o tempo só disser não e nunca sobrar um sim

Cocaína

Eu aspiro a inspiração branca
Transporto-me a um poder surreal
Minha boca mastiga o nada
Meu sorriso é maior que o normal
Castigo o caminho, a trilha dos pés
Mordo o couro até sangrar a gengiva
Passeio feliz pelo deserto de pó
Não percebo, estou perdido e só

A garganta se fecha se tranca
Os olhos se pulam do rosto
Meu pensar se altera, avança
Mas meu coração pulsa torto
O delírio se torna dor
Porque o tempo é senhor
E ordena o cessar do prazer
Novamente o melhor é morrer

Temo tudo que está a minha volta
O vício a me apodrecer
Quero mais pra curar a revolta
Pra voltar a viver: no pó renascer
Até quando esperar o que não vem?
Não importa. O instante maior é nascer
Mas viver é azar ou é sorte?
Se o tempo é senhor da vida e da morte

Boca

Se não esta, quem mais me beija?
Quase não se queixa, sorrindo vem
Às vezes só reclama sobre o queixo
Vermelha, molhada, pálida, seca
Pintada ou não, marca
Fala manso, grita, sussurra, vai além
Da garganta trava o ar pra chorar
Do sabor empresta o paladar
Acorda, boceja, morde, assopra
Xinga, sorri, gargalha, ri
Indecisa, se morde ao partir,
Toca os pelos, os poros, os olhos
Seca a ferida: Cicatriza
Seduz, irrita, deslumbra, mente
Suga fumaça ao tragar...
O ar ao suspirar...
Dá o sopro da vida.
Molha a pele que agora desliza
Nela tudo entra... Dela tudo sai...
Mãe da voz, encanta: num gemido, num canto
Se treme no frio, soluça no pranto
Mas, acima de tudo: beija...
Se não esta, quem mais me beija?